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Direitos LGBT sob ataque


Por Danielle Santa Brígida e Janaína Oliveira

As eleições de 2018 trouxeram a público as piores facetas do discurso de ódio, principalmente contra as mulheres, contra a população negra e LGBT. Segundo dados da pesquisa “Violência LGBT+ no período e pós-eleitoral” mais de 51% das pessoas LGBT entrevistadas sofreram algum tipo de violência, sendo em sua grande maioria mulheres LBT, e com 42% vítimas de desconhecidos e 16% de parentes e familiares.

Eleito a partir da pauta “moral”, o atual presidente vem promovendo sistematicamente o desmonte de políticas públicas, publicando decretos e apresentando projetos de lei ao Congresso Nacional que representam ações perigosas aos direitos das mulheres, negros e negras e LGBT.

Através da extinção da SECADI – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão – Ministério da Educação, o decreto que desmembrou a secretaria trouxe incerteza sobre as ações em andamento e suprimiu algumas pautas, como a educação em Direitos Humanos que tratava, dentre outras questões, da preparação de professoras para lidar com as questões LGBT dentro do sistema de ensino (referente ao respeito a diversidade).

Outro resultado foi a descontinuidade do estabelecido na Lei Maria da penha (nº 11.340/2006) em seu artigo 8º, sobre as ações de governo na educação no combate a violência contra mulheres e seu respectivo recorte étnico-racial:

[…] V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;
[…] VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;

Foi também desarticulado o Programa de educação para a diversidade étnico-racial e valorização da história e cultura afro-brasileira, desarticula o estabelecido na Lei 12.288/2010:

[…] Art. 11. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, é obrigatório o estudo da história geral da África e da história da população negra no Brasil...

Outra ação de impacto foi a flexibilização para a posse e porte de armar, que se deu com a assinatura dos decretos de janeiro nº 9.685, sobre a posse e sua edição em maio, flexibilizando o porte e uso de armas. Após a edição do decreto em janeiro já houve manifestações nas redes sociais sobre a formação de grupos de extermínio de LGBT, bem como na opinião de especialistas a medida pode aumentar a violência, principalmente contra mulheres, pobres e LGBT. Ao flexibilizar o porte de armar, gerou-se ainda mais insegurança e provocou ações no judiciário para o abrandamento de penas e pedidos de soltura de processados e condenados por crimes envolvendo o porte ilegal de armas de uso antes restrito.

Em fevereiro a campanha contra o HIV/Aids de carnaval voltada ao público LGBT foi vetada pelo Ministério da Saúde, a medida chega no momento em que é crescente o número de infecções registradas em jovens gays e homens bissexuais, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta vetou peças gráficas com referências a casais do mesmo sexo.

Campanhas direcionadas são uma estratégia apontada como essencial por especialistas no combate ao HIV/Aids. Sendo que atualmente a população de jovens gays e bissexuais negros a principal parcela da população brasileira afetada pelas novas infecções e chegam a representar quase 60% das mortes.

Ainda em fevereiro deste ano foi apresentado, pelo Ministro Sérgio Moro, o projeto anticorrupção, que incide sobre crimes de corrupção, os cometidos por organizações criminosas e os praticados com violência. Neste sentido o projeto prevê que os excessos da “legitima defesa” deixam de ser punidos, ou terão a pena reduzida pela metade, se houver entendimento que ocorreu em situação de “medo, surpresa ou violenta emoção”. O que volta no tempo do chamado “pânico gay” em que se justificava a agressão e morte de LGBT supostamente por medo ou porque a pessoa deu em cima de alguém.

Em março, através de postagem nas redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro criticou o fato do Banco do Brasil tornar obrigatório um curso de diversidade e de prevenção e combate ao assédio moral e sexual. Na mesma mensagem informou que ordenou a cúpula do banco que abolisse a formação, além de orientar aos postulantes a cargos no banco a entrarem na justiça. Posteriormente, em mensagem veiculada no dia 9 de março, o presidente do banco afirma concordar com Bolsonaro.

Em 12 de abril foi publicado o decreto nº 9.759, que extingue de forma generalizada vários instrumentos de controle social e participação popular a partir de 28 de junho (Dia Internacional do orgulho LGBT), tratando-se de mecanismos democráticos de consulta e deliberação social e atuam no acompanhamento e na avaliação do desenvolvimento de políticas públicas em áreas como educação, saúde, trabalho, assistência social, cultura e promoção da igualdade. (Paraná Portal, 2019).

Com o referido decreto o Conselho Nacional de Combate a Discriminação LGBT – CNCD/LGBT, será extinto, sem confirmação do governo se outro instrumento será criado e em que condições para tratar da participação e controle social das políticas públicas para esta população.

No dia 13 de junho o STF jugou a ADI6212 que pediu a nulidade dos efeitos do Decreto 9759/2019, a votação foi de 6 pelo acatamento parcial da ADI, protegendo apenas os conselhos citados em lei, contra 5 votos pela a proteção integral dos colegiados.

Tal precedente acabará com os colegiados formados por decreto, como é o caso do CNCD/LGBT e os conselhos que são criados ou citados em lei passarão por uma verdadeira asfixia, tendo seus grupos de trabalho, comissões, subcomissões e outros mecanismos de trabalho extintos, como no caso do CONADA - Conselho Nacional da Criança e do Adolescente, que possui fundo próprio (com cerca de 12 milhões parados) e tem seu funcionamento estagnado pelo atual governo por conta deste decreto,impedindo a formulação, fortalecimento de políticas para a proteção de crianças e adolescentes.

Ressalta-se ainda que o CNCD/LGBT e o CONANDA possuem uma resolução conjunta no sentido da garantia de direitos de jovens LGBT que até o momento ainda não foi publicada pelo ministério apesar de estar aprovada há cerca de dois meses por ambos os colegiados.

Ainda no mês de abril, Bolsonaro mandou retirar do ar uma propaganda do Banco do Brasil com jovens, negros e negras e LGBT, demitiu o Diretor de Marketing do banco e o Planalto veiculou um e-mail proibindo o uso de vernáculos e expressões da comunidade LGBT em qualquer publicidade e propaganda de órgãos da administração pública, empresas públicas e autarquias, ferindo a lei das estatais (lei nº 13.303/2016). Mesmo o ministro da Secretaria de Governo alegando que o governo não pode intervir na publicidade desta forma a propaganda não voltou ao ar e o Diretor demitido não foi recontratado.

No mês de maio o governo retirou o incentivo ao turismo LGBT, através do decreto que aprovou o Plano Nacional de Turismo 2018-2022. No plano original, as estratégias previam “sensibilizar o setor para a inclusão das pessoas idosas e do público LGBT no turismo”, que segundo o próprio plano representa cerca de 10% do turismo no mundo e movimento 15% da economia do setor.

No mês de junho foi publicada a nova de lei de drogas (nº13.840/2019) que prevê a internação involuntária, ou seja permite que a pessoa seja internada por ordem de familiares e ou responsável legal.

Como parte da política de drogas o Governo Federal financiará 496 comunidades terapêuticas com 153,7 milhões por ano, por meio de dispensa de licitação, com promessa de aumento do financiamento pelo novo edital previsto para este fim anunciado para ainda este ano, de modo que que 82% das comunidades terapêuticas do Brasil estão vinculadas a igrejas ou organizações religiosas.

Considerando ainda que essas comunidades não tratam apenas usuários e dependentes de drogas e que ainda hoje há internações nessas comunidades, para terapias "religiosas" que prometem a reversão de orientação sexual e identidade de gênero de pessoas LGBT, esta medida pode significar um sério risco para mulheres e LGBT como um retrocesso as décadas de 1970 e 1980, em que hospícios se tornaram prisões e espaços de tortura para as pessoas consideradas desviantes do "padrão".

Mesmo a lei de drogas não prevendo internação involuntária nas referidas comunidades terapêuticas, segundo o levantamento do IPEA, a metade dessas comunidades se localizam distantes das áreas urbanas levando ao abrigamento e consequente isolamento das pessoas atendidas e não há mecanismos nem regras de fiscalização para esses estabelecimentos.

Ressalta-se que este é o primeiro ano que o “Atlas da Violência” trás informações sobre a população LGBT, contudo os analistas avaliam que os dados estão ainda muito distante da verdadeira situação de violência contra a população LGBT, mesmo assim, os dados do Disque 100 demonstra um aumento de 127% no aumento de denúncias de homicídios entre 2011 e 2017.

Além disso os dados do SINAN trazem o predomínio da violência lgbtfóbica contra a população feminina LBT (75%), dado próximo ao Disque 100 (73%), sendo igual a predominância de 40% da violência contra a população negra, de modo que através do Disque 100 foram registrados 19.270 denúncias, em 2018. Apesar do elevado número de denúncias, o ano de 2018 houve a diminuição de acesso a esse canal, o que pode ser explicado por diferentes fatores, que não significa necessariamente a redução da violência, mas a insegurança em relação ao canal, a não divulgação do serviço, principalmente se considerar o baixíssimo índice de respostas as denúncias registradas, bem como a criação de canais estaduais de denúncia. Neste último caso pode-se citar estado do Pará, cujo número local para LGBT e outras populações em situação de vulnerabilidade é o mesmo de atendimento a violência contra a mulher nacional [180], assim as denúncias de violências e violações de direitos de mulheres e LGBT só chegam ao governo federal em caso o canal local esteja com todas as linhas ocupadas.

Com a descontinuidade das políticas públicas LGBT no atual governo, o Brasil saiu da 55º posição em 2018 para 68º no ranking de países seguros para LGBT. O Ranking é elaboro pelo site Spartacus que considera as políticas de inclusão e de segurança pública.

Vitória no judiciário



É inegável que os principais avanços no pais em relação aos direitos civis da população LGBT se deram no âmbito do judiciário, pois mesmo o Brasil sendo signatários de acordos internacionais o legislativo pouco avançou neste sentido.

Assim, Primeiramente em 2009 o STF estendeu o direito adoção para população LGBT, em 2010 a união estável e a partir desta última decisão, em 2011, o CNS equiparou a união estável ao casamento civil e estendeu este direito a população LGBT. Em 2018 o STF também em decisão majoritária garantiu o direito a retificação de prenome no registro civil de travestis e pessoas transexuais. E em fevereiro deste ano o STF iniciou o julgamento pela criminalização da LGBTfobia.

E diante do julgamento no STF – Supremo Tribunal Federal, da ADO26, cuja tese vencedora no ultimo dia 13/06, até que o Congresso Nacional legisle para criminalizar de fato a LGBTfobia, a mesma passa a ser punível, por analogia, pela lei nº 7.716/1989, e em caso de homicídio doloso passa a configurar motivo torpe, tornando-se crime qualificado e consequentemente crime hediondo, (Código penal Art. 121, §2º, I).

Desde o início do julgamento conservadores e fundamentalistas passaram a se mobilizar no Congresso Nacional para aprovação de projetos supostamente de criminalização da LGBTfobia que tem na verdade o intuito de legalizar violações de direitos consideradas hoje injúria e mascarar o discurso de ódio atrás da liberdade de expressão. Bem como os mesmos fizeram exposições durante o julgamento contra a criminalização, junto a AGU - Advocacia Geral da União, (esta ultima representando o Governo Federal). Várias reuniões de representantes da bancada evangélica com o STF tiveram o pedido de adiamento do julgamento, de modo que seu termino levou cerca de 4 meses para conclusão.

Apesar de se ter projetos tramitando no Congresso Nacional há quase 20 anos, apenas duas leis contemplam a população LBT, que são a lei do feminicídio (nº 13.104/2005) e a lei de importunação sexual (nº13.718/2018), não existindo hoje lei de proteção a população LGBT, de modo que os direitos atuais são garantidos por decretos do poder executivo e decisões judiciais. O fato se dá pela forte presença de conservadores e o sistemático aumento da bancada evangélica.